Preocupação de Pai

É constante a preocupação com a educação do filho na vida dos pais. E comigo, apesar de novato no ramo, não é diferente. Cada criança que vejo na rua, fazendo certo ou errado, já começo a imaginar o que devo fazer para chegar àquele nível, quando correto, ou não, quando ruim. Leio livros e revistas, vejo exemplos, analiso minha vida, o que considero ser importante repassar aos meus filhos etc. Tudo isso para tentar achar a minha receita de filho bem educado. A educação, sabemos, é um assunto muito subjetivo e muita coisa foge do controle dos pais, mas vou me ater ao ponto que mais tenho pensado nos últimos dias.

Semana passada, num dos problemas técnicos da CPTM, estava na estação Santo Amaro e a plataforma se encontrava lotada de tal maneira que na escada já era difícil trafegar. Como me acostumei com a situação, a ponto de não mais me estressar, me sentei ali no canto da escada mesmo, desliguei a música do celular (até as 10h da manhã, só consigo processar uma informação de cada vez), peguei a HQ “Sábado dos Meus Amores” e comecei a ler. Alguns (muitos) minutos depois, já estava preparado psicologicamente para pegar aquele típico trem que só o paulistano conhece – que sempre, sempre, sempre mesmo cabe mais alguém. Aliás, tenho impressão de que se o trem fosse até a Guiana Francesa, as pessoas continuariam entrando, mesmo que, para isso, os “passageiros” tivessem que se deitar um em cima do outro para caber mais. Não há limite. Enquanto metade das pessoas estiver respirando, elas continuarão entrando.

E foi neste cenário que, já de dentro do trem vi uma senhora e uma filha de uns nove anos chegando com a mochila nas costas, tentando arranjar um buraco para se enfiarem naquela muvuca sólida – estava mais para mussarela que queijo suíço, sabe? Lógico, no meio de centenas de pessoas, muitas não muito educadas ou gentis, elas não conseguiram entrar.

Naquele instante, pensei na minha filha. E num mix de proteção excessiva com prepotência sem tamanho, prometi a mim mesmo que ela não podia passar por aquilo, como se ela, simplesmente por ser minha filha, fosse melhor que aquela de mochila que acabava de ver – e tantas outras que passam pela mesma situação. Eu sei que devo pensar no melhor para minha filha. E aí é que está. O que é melhor pra ela? Como eu, pai, protetor que sou, vou escolher entre privá-la ou não de dificuldades, confiando que, mesmo no conforto, ela dará valor ao que possuir?

Minha mãe e eu, algumas vezes, acordávamos às 4h da madrugada, quando estávamos na Bahia, para pegar uma van com destino a Cachoeira, cidade mais próxima da vila onde morávamos. O trecho até o ponto que o transporte passava era uma caminhada gigante para uma criança de nove anos. Às vezes, com muita sorte, conseguíamos carona. Já na cidade, pegávamos uma fila, do hospital público. Não me lembro se era eu quem fazia os exames e as consultas ou se minha mãe. Fato é que eu estava numa situação a qual minha filhota, talvez, nunca passará. E cito este fato, porque foi o primeiro que me veio a mente com a idade da menina que vi.

Mas já perto dos dez anos, eu vendia geléia real de casa em casa, “Nosso Amiguinho”, “Vida e Saúde” (revistas para criança e saúde) também, a fim de conseguir uma graninha – para mim, importante dizer, pois meus pais nunca me deixaram faltar comida ou roupa, trabalhando ou não. E isso me fez bem. Devo muito da minha atual postura perante os problema a essa experiência. Graças a isso, eu aprendi a me virar sozinho mais cedo que alguns amigos meus. Mas ainda assim, na adolescência e até hoje, me pego não valorizando o que tenho. Em tempo, comparado a maior parte do Brasil, estes apuros que passei não são nada grandes.

Imagine se eu mantiver a guria numa “bolha” confortável, o risco que ela corre de não entender esse valor. Ver na TV e em documentários ou freqüentar, por exemplo, alguma ONG será suficiente para a Sofia perceber e sentir que tudo o que ela tem muita gente não tem? Mais: intrinsecamente, no meu ponto de vista, valorizar o que me é dado – ou mesmo conquistado por mim – traz naturalmente uma postura ativa de fazer algo pelos que não têm a mesma sorte. Ou deveria trazer.

Conheço pouquíssimas pessoas que tiveram tudo e, mesmo assim, aprenderam essa lição – vou conversar com os pais delas (sério!). Fazer minha filha entender essa ideia é obrigação minha e da mamãe, seja fazendo-a vivenciar algumas dificuldades seja apenas demonstrando estas com palavras e a experiência daqueles que as vivem. Fazê-la entender, repito, porque fazer de fato é sua – e somente sua – responsabilidade.

Achar esse equilíbrio é a solução, penso. Como qualquer pai, imagino diversas características que gostaria de encontrar na minha filha que, claro, não influenciarão no meu amor por ela. Desde coisas idiotas (de que música vai gostar, se amará filmes tanto quanto eu) até as mais importantes. Defeitos meus que, espero, não puxe de mim. E penso na educação, na obediência, no respeito aos mais velhos e inúmeros desejos. Mas tão ou mais importantes que alguns desses, espero que ela valorize o que vier a ter (e já tem) e, mais que isso, se esforce em ajudar aquele que não tem.

Quem sabe, assim, eu também aprenda.

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